O perdão não implica esquecimento. Antes mesmo que haja algo que, de forma alguma, pode ser negado, relativizado ou dissimulado, todavia podemos perdoar. Mesmo que haja algo que jamais deve ser tolerado, justificado ou desculpado, todavia podemos perdoar. Mesmo quando houver algo que por nenhum motivo nos devemos permitir esquecer, todavia podemos perdoar. O perdão livre e sincero é uma grandeza que reflete a imensidão do perdão divino. Se o perdão é gratuito, então pode-se perdoar até a quem resiste ao arrependimento e é incapaz de pedir perdão.
Aqueles que perdoam de verdade não esquecem, mas renunciam a se deixar dominar pela mesma força destruidora que os lesou. Quebram o círculo vicioso, frenam o avanço das forças da destruição. Decidem não continuar a injetar na sociedade a energia da vingança que, mais cedo ou mais tarde, acaba por cair novamente sobre eles próprios. Com efeito, a vingança nunca sacia verdadeiramente a insatisfação das vítimas. Há crimes tão horrendos e cruéis que, fazer sofrer quem os cometeu, não serve para sentir que se reparou o dano; não bastaria sequer matar o criminoso, nem se poderiam encontrar torturas comparáveis àquilo que pode ter sofrido a vítima. A vingança não resolve nada.
Também não estamos a falar de impunidade, mas a justiça se procura de modo adequado só por amor à própria justiça, por respeito das vítimas, para evitar novos crimes e visando preservar o bem comum, não como a suposta descarga do próprio rancor. O perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento.
Se houve injustiças de parte a parte, é preciso reconhecer claramente a possibilidade de não terem tido a mesma gravidade ou de não serem comparáveis. A violência exercida a partir das estruturas e do poder do Estado não está ao mesmo nível que a violência de grupos particulares. Em todo o caso, não se pode pretender que sejam recordados apenas os sofrimentos injustos de uma das partes. Como ensinaram os bispos da Croácia, “devemos o mesmo respeito a toda a vítima inocente. Aqui não pode haver diferenças étnicas, confessionais, nacionais ou políticas”. Peço a Deus que “prepare os nossos corações para o encontro com os irmãos independentemente das diferenças de ideias, língua, cultura, religião; que unja todo o nosso ser com o óleo da sua misericórdia que cura as feridas dos erros, das incompreensões, das controvérsias; [peço] a graça que nos envie, com humildade e mansidão, pelas sendas desafiadoras mas fecundas da busca da paz”.
(Papa Francisco. Carta Encíclica “Fratelli Tutti” sobre a Fraternidade e a Amizade Social, nn. 250-254)