Jesus sabendo do seu destino último quis se reunir uma última vez com seus Apóstolos em uma ceia. Essa ceia ganha um tom de despedida, mas não podemos saber com precisão se tal ceia era a ceia Pascal judaica, na qual os judeus celebravam a libertação da escravidão do Egito. Alguns dados nos levam a crer que não, pois na ceia de Jesus não tem referimento ao cordeiro Pascal, não se fala das ervas amargas que se comiam na ceia Pascal e nem se tem uma narrativa litúrgica da saída do Egito. Também é difícil pensar que as autoridades judaicas se reunissem na noite de uma festa tão importante para condenar Jesus. É possível que a ceia de Jesus foi antes da festa da Páscoa e que a sua morte no dia 14 do mês de nisã, ou seja, na véspera da Páscoa. Sendo assim, a última ceia de Jesus não é Pascal, mas sim uma ceia de despedida.
A refeição segue o costume judaico. No início, Jesus coloca-se em pé, pega o pão e pronuncia a oração de bênção. Depois, parte o pão e distribui a todos. Era um gesto comum das ceias judaicas. Essa fração do pão criava entre eles uma comunhão e também uma comunhão com Deus. Porém tem uma novidade: enquanto Jesus distribui o pão diz algumas palavras: “Isto é meu corpo”. Aquele pão é o próprio Jesus que se entrega por cada um de nós.
No final da ceia, também havia o costume de pegar uma taça de vinho, fazer uma oração de agradecimento e depois cada um bebia sua taça. Jesus fez esse gesto, mas mudando algo. Em vez de cada um tomar a sua taça, todos bebem da sua taça. Enquanto a taça era passada de um para outro, Jesus pronunciou algumas palavras: “Este cálice é a nova Aliança em meu sangue”. Essas palavras dão o significado daquele gesto, ou seja, o vinho é o sangue de Jesus; sangue da nova Aliança de Deus com a humanidade. Esse sangue é derramado para salvação de todos.
Com esse gesto da entrega do pão e do vinho, Jesus institui a Eucaristia que é o momento cultual no qual se revive o evento liberador de Deus por intervenção de seu Filho. Toda vez que celebramos a Eucaristia fazemos memória do evento da cruz e ressurreição e torna-se novamente presente a pessoa de Jesus. Sendo assim, aqueles que se colocam no seguimento de Jesus não ficam órfãos com sua morte. O gesto da ceia traz a lembrança e a presença de Jesus.
O Evangelho de João substitui o relato da Ceia do Senhor por um outro gesto feito por Jesus: o lava-pés (Jo 13, 1-15). É um gesto insólito. Geralmente, quem fazia este serviço eram os escravos. Era impensável ver um comensal fazer tal coisa. Com esse gesto, Jesus torna-se escravo, lavando os pés dos seus discípulos. É um gesto que nos convida à prática do Amor. “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12). Jesus nos deixou um exemplo para que nós também possamos fazer uns aos outros, vivenciando o amor mútuo para com os irmãos.
A última ceia de Jesus é o momento de despedida dos seus e na qual Jesus deixa a Eucaristia como memória daquele momento e que rende sempre presente a sua pessoa e também nos deixa o mandamento do amor ao próximo com um belo exemplo, o lava-pés.
Cf. PAGOLA J. A., Jesus. Aproximação histórica, Editora Vozes, Petrópolis 2011, 432-439